25.5.14

O anarquista

O anarquista tinha olhos grandes de carvão. Negros como os corvos de Poe. Densos e destrutivos. Era um espectador, dos mais vorazes.
 Fixava-se em personagens de Tchekhov. A dama do cachorrinho. Dissecou os clássicos da filosofia. Dissecou os artigos de economia. Dissecava a vida com tesão. Sexo casual com manchetes populares. Poesia quando convinha.

Vestia-se de modo peculiar, um não estar na moda sem afetações. Escalpado, estatura mediana. Voz convidativa. Um Don Juan feio. Parecia uma equação matemática no quadro negro. Polida, resolutiva, desconhecida. Um x, um sinal de igualdade entre os lados. Ri quando disse que era feminista. Riu entre as luzes rosa choque do bar fedorento. Não se assustava com futebol nem petiscos.

Cada assunto era uma refeição pronta para ser degustada, sem pressa. Faminto, como um lobo, contentava-se apenas com a visão da porcelana do prato.
Não cambaleava no cetismo. Era parte do próprio roteiro sem fim do qual assumiu autoria. Herói de uma jornada incerta. Lia Vinicius, um vício.
Inacabável. Reconhecia declarações de amor com apenas um olhar, uma espécie de xerife do far west americano.

Traçava os personagens de Machado in real life. Tivera muitas Capitu, algumas Eugenias. Orgulhava-se do fato de ninguém tê-lo amado durante 15 meses e 11 contos de réis. Ainda bem.
 Poderia ter nascido nos anos 50 para ver Elvis envergar os pés no palco. Ou nos 70 para vibrar de prazer com um solo do Page. Poderia ter nascido semana passada. O seu tempo era o presente, mesmo quando este já fora passado.

Falava Jaco e pão Wanderleia. Sintaxe herdada da adolescência paulista. Cine Sesc. Escola Técnica Estadual. Chapação total, porque a vida é assim, criança. Sem afetações. 

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