27 de
outubro
Áries, ascendente em Peixes. Hoje
o dia vai ser comprido. Muita sedução no campo sentimental. Cuidado com fofocas
e intrigas no trabalho. Bom momento para cuidar da saúde. Número da sorte: 17.
Cores: Verde-bandeira e azul marinho.
Tava um calor insuportável na rede. O radinho de pilha arfava
com cada nova temperatura manauara. Allan roçou minha perna, mexeu no meu
umbigo. Uma relação estranha com meu corpo. Procurava as raízes, plantas dos
pés, o tempo que meu tórax dava entre um seio e outro.
Matava minha neura, meu papo sobre chakra. Posou pra mim de um
jeito preguiçoso. As fotografias se revelavam com gosto de sal e samba.
Allan trepava comigo com aquela cara de quem não queria nada. E
não queria. Seu meio-céu era em Leão. Um filho da puta. Fazia uns dois meses
que ele vinha toda terça.
Era o filho mais novo do zelador do prédio. Precisava de umas
aulas de matemática pra reforçar o pré-vestibular que fazia no colégio. Eu
tinha acabado de me formar na Federal de Londrina antes de embarcar pro
Amazonas. Eu contava 22, Allan tinha lá seus 19.
O moleque já tinha lido de tudo. De Bauhaus a Proust, devorou a
biblioteca pública. Um dia me deu um poeminha, escrito atrás de uma conta de
luz vencida. Tinha uma letra redonda e gorda. Manchava o papel e escrevia mal
pra caralho. Me sentia no colégio quando pensava nas nossas poucas idades.
Triangulo amoroso digno de fotonovela.
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Apolinário tinha 25. Começou jornalismo na UFL com 16.
Quando acordava, via do meu lado que Apolinário já tinha ido.
Pensava em tanta coisa.
No empreguinho que ele mantinha pra sustentar a gente. Escrevia
os horóscopos do jornal da vila. Deram-lhe o pseudônimo de Dona Caru, para que
a leitura tivesse mais credibilidade junto as leitoras ávidas por previsões.
A foto que ia junto com o endereço da tal Caru era de uma
matrona portuguesa já morta, envolta com os turbantes das mães de santo da
Bahia.
Era a avó do editor-chefe do jornal, um galego que chamavam Peu
Preto. Eu tinha certeiro que era por causa do trocadilho escroto pau preto que ele podia fazer para ornar
a fama que inventou sobre sua vida sexual nas camas nortistas.
Apolinário era um homem feliz. E
merecia tanto.
A gente se conheceu numa daquelas reuniões
de chapa de grêmio. Chapação. Aquela
coisa boboca de classe média hippie.
Ele me levou pro quarto dele e eu
nunca mais sai de lá. Foram uns dois anos até eu me dar conta que não tinha mais
ninguém. Só Apolinário, o bom moço que ganhou um estagiozinho pra escrever em
um jornal do Amazonas.
Mas aquele era o plano perfeito. Eu
cuidava do apê minúsculo enquanto ele estagiava nos jornais. A cada dois meses
era uma vila diferente. Eu limpava, cozinha, me entediava e ainda ganhava uns
trocados dando aulas de reforço pros alunos morenos da região. Até que Allan
apareceu em minha porta com seu papo sobre Tempos
Modernos e com vontade de passar em Direito.
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Allan. Que puta nome escroto. Me sugou da minha rotina morna, do
meu saber acadêmico. Me tirou da órbita, me colocou em seu quarto de mobília
arcaica. De repente eu me via ali, nua. Sem cadernos de anotações ou cigarros
para compor minha cena de amor perfeita.
Perdia meu tesão absurdo em escrever depois das 17h. lembro do
dia em que ele me ensinou a falar a palavra “tesão”. Te-são. Ten-são. Eu acho
essa palavra tão cafona, tão oitentista. Papo de novela com a Gloria Pires no
auge dos vinte anos.
Mas aprendi com gosto.
Naquela terça, Allan chegou nervoso. Soube através da sua monossilábica
conversa que o pai não pagaria mais as aulas de reforço. Disse que não pagaria
puta para os filhos, pois aquele era um prédio de família.
Perguntei se o pai nunca tinha trepado na cama que deitava. Allan
ficou puto. Sua mão quente subiu gradativamente, acumulando o ar que via pela
frente e me deu um tapa. Juro que não enfureci. Peguei-o pelos cabelos da nuca,
descemos ao tapete da sala. Era uma despedida. Ele arrastou as roupas de cima
pelas partes baixas do meu corpo. O sol não dava trégua. Minha barriga
queimava. Estava nua e espalhada. Allan se colocou em todos o tecido rígido da
minha pele. Nossos sexos doíam. E o interfone tocou.
-Suzana?
Eu me sentia como uma cadela. Allan dormia encostado nas
almofadas bordadas. Ia acender um cigarro, mas decidi que não.
Um vez eu vi num filme do Almodóvar que nós mulheres fazemos de
tudo pra não ficarmos sozinhas na vida. Talvez.
-Alô, Su?
Tá acordada?
Eu pensava bastante nesse pedaço do roteiro. Mas nunca lembrava
o filme. Hable com ella não era. Essa
frase é tipicamente feminina. Parecia um conselho. O cenário não permite.
-Tá me
ouvindo? Preciso subir, tô sem chave.
Sabia que uma hora Apolinário ia aparecer na sala, no quarto, na
cozinha onde a gente trepava. E no fundo, eu imaginava aquela cena, delirava e
ansiava o momento da descoberta. Queria sentir o cheiro da raiva que iria
escancarar as portas. Eu queria ver o oco.
-abre a
porta, porra!
Não soube o que Apolinário viu primeiro ao abrir a porta
insonsa. Talvez tivesse visto a bagunça da cama. Ou pão de forma que havia
caído do pacote. Ou as frutas velhas sob a pia. Talvez nem tenha visto nada.
-mas que
merda é essa?
Acho que essa é a única coisa que me lembro daquela terça-feira.
E que choveu. De resto, eu recolhi os cigarros que estavam bolados na mesinha e
chapei. Como nunca havia chapado antes. E só acordei para escrever essa
história.
Apolinário sumiu do mapa uns dias. Sei que voltou porque deixou
sobre a mesa um novo contrato de aluguel e as chaves que eram ele. No cabeçalho
do contrato: Suzana Reis.
Pelo menos lembrei o filme do Almodóvar: Todo sobre mi madre.
Merda, errei.
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16 de
novembro
Áries com ascendente em Peixes. O mar não está para Peixes como você. Evite relacionamentos amorosos
caso não queira nada sério. Sucesso em promoções e entrevistas. Número da
sorte: 21. Cores: Preto.
Fantástico! Simplesmente adorei!
ResponderExcluirNão só pela intensidade, mas pela redação! Super bem-escrito! :)
Um beijo,
Fê
http://www.algumasobservacoes.com/
Moça. Adorei.
ResponderExcluirSeu texto é bom! É bom. Você tem um estilo alternativo cheio de pausas e pontuações, com uma seriedade desligada bem gostosa. Relaxar com o seu conto numa tarde chuvosa, acompanhado da quietude, seria realmente uma delícia.
Adorei o jeito que mesclou as narrações, que explicou sem explicar como ambos se encontraram, como tudo ocorreu. Adorei a forma com que a história foi costurada, que os pontos se interligaram. Eu te confesso que, como escritor, peco nas descrições; eu descrevo exageradamente TUDO. Não sei se é pecado, se é benção, mas quando olho pr'um texto simples e inteligente feito o seu, sinto um pouquinho de inveja. rs Confesso. Mas é inveja branca, juro! ^^
Adorei, adorei mesmo, moça. Amei vir aqui.
Beijão!
http://achouoque.blogspot.com.br/