Copo meio
cheio, copo meio vazio.
Ela não gostava de exposições. Não lia Bauman, nem tinha os olhos
de ressaca que eu sonhei. Dormia cedo, comia pão de granola e nunca falava palavras
difíceis. Gostava de montanhismo, montava em bicicletas com a facilidade de uma
criança. Arfava com minhas explicações metafísicas. Lançava olhares para o
nada, dissimulando os pequenos demônios interiores que tentava esconder desde
que leu aquela super matéria de 6 páginas na Vida Simples. Prendia o cabelo com
lápis BIC verde, tinha 2 agendas coloridas e nenhum telefone. Tinha 1,78 de
altura, parecia uma estátua indiana com os cabelos puxados para trás. Falava
pinto e pau, xota e bater uma na frente dos amigos, mas morria de vergonha de
tirar o sutiã assim de sopetão, antes do banho. Era meu copo meio cheio de
pequenas esperanças cotidianas.
***
Ele não lia meus artigos sobre esporte. Não sabia o que era IMC,
não escutava rádio em inglês. Nem falava inglês. Tinha olhos cansados por causa
da ressaca. Café da manhã era coca-cola com pizza velha, meu estereótipo
americano. Não pagava as contas do cartão de crédito antes do vencimento,
visitas ao banco, apenas em casos urgentes, como quando a gasolina acabava e
nenhum caixa eletrônico dava sinal de vida. Boêmio, tirava sarro das minhas
vitaminas de espinafre. Não acordava antes das 10h, só dormia depois das 2h.
Conheci-o em um bar? Uma conferência chata de um trabalho mais ou
menos? Ou num restaurante de comida indiana? Não lembro. Aliás, seu tipo era
pitta.
Era meu copo meio vazio de neuroses e preocupações mundanas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"a palavra escrita permanece."