2.6.12

Donas

Dona Zizi gostava de pintar as paredes da cozinha com cores fortes. Roxo, laranjas, verdes se misturavam a louça velha e delicada nas prateleiras, nos quadros de frutas. Vivia num mato seco cortando o norte de Minas, aos pés da Bahia de Gil. Nunca ouviria falar de Gil.
 “Estuda minha filha”. Dona Zizi distribuía esse conselho as netas, entre uma fornada de pão e outra, entre o remédio do vô doente, pesado numa poltrona, gaguejando pros filhos que restavam no quintal. Nunca tinha entrado numa biblioteca. Não sabia de Magritte nem da Semana de 22. Nunca ouvira falar de machado de Assis, nem Kafka. O mais próximo que chegava desse último, talvez fosse o desdenho que tinha ao matar um bichinho que ‘deus criara’, aquelas baratas gordas que entravam pelas entranhas da casa cheia de frestas.
Rezava as noites com seu terço benzido por um daqueles padres italianos que fazem missão nesses interiores de países que não se pareciam com o seu, a não ser pelas missas e aquele cara legal que usava bata e falava de amor com outros doze caras.
—Hosana hei.— ouvia-se de longe o cd riscado de um cantor qualquer, também riscando os ouvidos de quem ficava pro café da tarde.
Criou onze filhos, fazia grandes almoços de natal. Não sabia nem um aniversário de cor. Passava longe dos políticos de camisas azuis no sol escaldante nas vésperas de outubro. Rezava os cânticos certinhos, fechava o corpo, amava os netos. Sacudia os tapetes, mas nunca empurrava a poeira na direção da porta: era má sorte. Mal sabia ela, que não, não tivera sorte, nem escolha, nem vontade, que até o próprio amor lhe era ensinado. Não duvidada. Só confiava. Em Deus. Acredita?



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