6.11.11

Segue o Seco (Parte I)



Parte  I
              (Onde vamos de encontro ao narrador desta pequena fábula nordestina)
                                                                      
O chão ressecado pelo sol levantava poeira que cobria como um véu a pequena cidade de Belém do São Francisco. Os animais magros que antes corriam a terra seca, agora descansam em forma de pó e vento pelo sertão. As árvores, que um dia farfalharam folhas verdes, por milagre e coisa divina, agora tinham as raízes presas por teimosia da mãe natureza, que teimava em não se deixar morrer. Ainda faziam sombras, que de vez em nunca abrigavam mascates, caixeiros-viajantes, cantadores, ou mocinhas que iam buscar água no açude do outro lado da cidade. A  estrada para mim era longa, cheia de cascavel e poeira, pobre de mim cordelista cantador, com sua viola e uns trapos na mala.
Foi então, que numa daquelas tardes, em que o céu se avermelha, ficando da cor da ira de Deus, deu-se a sentar ali pelas bandas um mascate, que se podia adivinhar só olhando as cores queimadas de sol da criatura e pelo tipo esperto, com os olhos do tamanho do mundo, cara daqueles malandros que correm o mundo, um típico Malasartes. O moço trazia uma sacola, daquelas de sisal grosso, pra carregar coisa pesada, mas pensei junto comigo: de onde é que esse fio de cochadeira vem que num traz nem jegue nem jumento?
Atalhou-se a mim, com aquela cara larga de vendedor de bugiganga, pensei: “Lá vem, lá vem”. Foi logo se apresentando, sem menores cerimônias:
—Chamo João Do Amor Divino e Santana de Jesus, da cidade de Ocoró, um mascate bom de papo, vendo de guarda-chuva a sapato. E a senhoria tão elegante, cheio de graça, tem nome também?   
—Ora mais, pois, que agora eu quero ver é cobra andar, e essa sua petulância, cheio das graças esse ganiço, onde é que já se viu, guarda-chuva no sertão?
—E tá duvidando, é? Olhe bem minha sacola, que eu vendo e muito esses trem aí. Guarda-chuva no sertão vende bem, sim senhor.
—Ah, mas agora eu vi mesmo, além de feio, é mentiroso! Então conta, seu João do Amor Divino e Santana de Jesus, como é que vende essas bugiganga aí nessa terra seca de Padim Ciço?
—Ah é, é? Quer que lhe conte?
—É.
—Mas só se me fizer uma coisa. A senhoria é cantador, né?
Abracei minha viola, meu pequeno sustento. Olhei para o sorriso largo e maroto do ganiço, “não vai prestar”, pensei comigo.
—Sou sim, cantador macaco velho, cheio das manhas, cordel é meu sustento, lazer e companhia. Mas o que quer, o Divino?
—Que faça uns versos da história que vou lhe contar. Mas ó, tem que ser coisa fina, que agrade o patrão, mas também a menina. Aceita?
—Mas bicho safado, não ganho nada, não? Só o prazer de lhe ouvir a história?
—Mas tá ficando esperto esse cantador, entendeu direitinho o trato!
Não sei que horas aquele amarelo começou a desfiar sua biografia, mas digo que gostei sim, e cumpri o trato. Aquele moço tinha um jeito de contar, que brilhava os olhos, cheio de orgulho de sua infância a beira do São Francisco, menino pobre sem escola nem pai, que cresceu longe da mãe por causa de uma breve desventura.
Logo depois que João sumiu no horizonte, levando contigo suas aventuras, rasguei nas páginas velhas do meu caderninho a seguinte história, que me foi contada nessa ordem, sem personagem a mais nem verso a menos:

{...}

Nara Gonçalves 

(Minhas melhores palavras pra ti, minhas lágrimas, meu sossego. Meu carinho, meu desespero, nossa alegria)

Parte I do Roteiro de Segue o Seco, apresentado na semana cultural da Etec Lauro Gomes, nos dias 25, 26 e 27 de outubro de 2011.


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